terça-feira, 19 de junho de 2012

...esboço


Quis escrever uma história....
peguei um lápis, um pedaço de papel..
tentei esboçar algo, mas não foi o suficiente...
faltava algo...
olhei no dicionário uma palavra para pensar,
vasculhei em um livro de poemas um verso para nortear,
nada....
escutei uma canção para inspirar,
procurei nos álbuns de fotografias alguma memória para despertar,
nada.
Prostrado em frente ao papel...nada conseguia escrever.
Perguntei para mim: o que havia de errado? estava cansado demais para pensar em algo?
Acendi o meu cigarro e entre um trago e outro, pude observar a fumaça subir até o teto mofado de minha sala escura. A fumaça era tortuosa, tinha vontade própria...subia livremente até o teto... ninguém para interrompê-la, apenas o teto. Pouca importava isso para ela...ela subia destemida...confesso que senti um pouco de inveja de sua firmeza.
Segundos depois...ao encontrar o teto, se dissipou.
Meu copo tinha uma última dose de whisky barato...com duas pedras de gelo, quase desfeitas....
Um trago e a dose desceu ríspida e amarga, tal como o meu espírito encontrava-se naquele instante.
Percebi...não havia sobre o que escrever...ali...naquele momento...nada que fosse demasiadamente profundo a ponto de carecer uma observação.
Em tempos como esse...são poucas as coisas dignas de serem escritas,
Talvez...aquela piada idiota que o meu melhor amigo me contou no almoço; ou a história que o velho da esquina me disse mais cedo; talvez o lindo rosto da garota ruiva que eu observei no ônibus voltando para casa mais tarde.
Tantos singelos momentos...todos eles, tal como a fumaça de cigarro, já partiram. Sobrou apenas essa história.

domingo, 3 de junho de 2012

A estrela


"Gatinho, meu amigo
fazes idéia do que seja uma estrela?

Dizem que todo este nosso imenso planeta
coberto de oceanos e montanhas
é menos que um grão de poeira
se comparado a uma delas

Estrela são explosões nucleares em cadeia
numa sucessão que dura bilhões de anos

O mesmo que a eternidade

Não obstante, Gatinho, confesso
que pouco importa
quanto dura uma estrela

Importa-me quanto duras tu,
querido amigo,
e esses teus olhos azul-safira
com que me fitas"


Ferreira Gullar, em “Em Alguma Parte Alguma”

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira (São Luís, 10 de setembro de 1930) é um poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo.