quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Venha ser feliz!

Esse é um provável slogan de qualquer site famoso de relacionamentos. Metade ideal, par perfeito, vai dar namoro, vão casar, namoro sério, par ideal, alma gêmea, pelados na cama e o caralho a quatro. Pronto, escolha o seu e venha ser feliz! Essa é uma afirmação dupla, pois na sombra da ideia reside algo não dito, sutil, mas que afirma: esse é o único caminho para ser feliz! Tudo bem estou exagerando, mas a forma como a propaganda é feita nos leva a cair nessa pegadinha. Daí então brota outra assertiva: Sozinho não serei feliz! Então, para estar feliz preciso de alguém, logo não posso ficar só. Esse “não posso” é verdade mesmo, pois na nossa sociedade é proibido não ser feliz. Voltamos ao pensamento cartesiano de causa e efeito. A complexidade circular do homem sob o jugo da linearidade. A crença de que encontraremos a felicidade em outra pessoa é reforçada a todo instante na sociedade atual. Os meios de comunicação em massa projetam esse ideal em telas de televisores, folhas de jornais, redes sociais e outros veículos. Não cabe, nessa situação, buscar a felicidade de outras maneiras. Só podemos alcança-la em outro ser humano. Fico pensando no medo e ansiedade provocados por esse jeito de pensar. A ansiedade provocada por precisar encontrar alguém para ser feliz, e o medo de falhar nesse intento. Apesar disso, o que mais me comove é que as pessoas se esquecem de procurar o que é felicidade para elas. Deixam de lado o que as deixam feliz, mesmo sem precisar de alguém. Algo como: ler, assistir filme, pintar, cantar, roubar para alguns (infelizmente), entreoutras coisas. Não promovem a ferramenta mais eficaz para o amadurecimento do homem: a reflexão sobre si mesmo.

A autorreflexão não é bem vinda na sociedade fast food onde precisamos de tudo pra agora sem pensar com tudo pra agora sem pensar nem a pau é pra ontem é agora perdeu... Ufa! O coitado adoece, mas logo volta a ser filho da puta quando quer a cura pra agora. Em grandes sanduicherias como Burger King e McDonald’s não temos que esperar fazer o sanduíche, ele está pronto. A ideia de fazer o pedido e esperar por isso vem ruindo a cada minuto. O tempo de preparo foi ingerido, e com ele lá se vão nossa paciência e tolerância. O problema desse cidadão que não precisa esperar seu sanduíche é que nós temos a tendência de generalizar as coisas, portanto, não é somente na fila do sanduíche que será exigido a imediatez. Ele quer isso no trânsito, quer no trabalho, quer com a mulher e os filhos em casa. Passa a exigir que seres humanos tenham características de máquinas, que não precisam pensar para agir, simplesmente fazem. Não estou culpando os sanduíches e nem quem os fazem, pois esse processo de acelerar o tempo ocorre a todo instante e em outros lugares também, mas que me caia um raio se isso não é em função do dinheiro. Aí temos ejaculação precoce nos homens, mulheres com crises agudas de ansiedade, não entendem o que acontece com os maridos e podem pensar que a culpa é delas.

Estão transformando os momentos de solidão, onde entramos em contato com aquilo que nos torna únicos, em algo que precisa ser evitado a qualquer custo. Não estou falando daquela solidão onde não desejo estar só, uma situação onde estou contrário ao meu desejo. Falo da solidão bem acompanhada do meu próprio EU. Onde consigo diferenciar o que é meu e o que não é, e o que gosto daquilo que não me interessa. Atualmente, estar só é sinônimo de tristeza, de que a vida não vai bem, e o mais importante, de que é preciso sair dessa situação. A dica é encontrar alguém.

Meus olhos se voltam então para o desespero que vejo nas mulheres de Goiânia em encontrar alguém pra casar, pois já estão ficando velhas – moças de 20 anos! – Me assusta. O pessoal termina a faculdade e a carona pra casa é naqueles carros onde amarram latinhas, papel higiênico, aquele esculacho todo depois do casamento. As mulheres daqui são casamenteiras mesmo! A maioria, claro. Essa falácia social que prega a conquista da felicidade através do outro é, a meu ver, um instrumento destinado a coisificar as relações humanas, a torná-las mais objetivas. O outro ser humano passa a ser visto como meio para atingir algo, a felicidade. É comum, ao estarmos tristes, acreditarmos que alguma coisa supérflua e passageira poderá nos proporcionar um momento melhor, nem que seja para fugir um pouco da angustia momentânea. É como buscar assistir um filme ou a leitura de um livro, para distrair. O que me aborrece é ver que as relações humanas estão entrando na lista dessas distrações. Evidenciando uma falta de preocupação com o outro ser humano.

Não ter cuidado com o outro é não cuidar de nós mesmos. A ideia de que somos o outro precisa ser vivida! Enquanto caminha em debates e conversas “alheias”, não nos incorpora. Incorporar: fazer parte, sentir no próprio corpo. Não é o cérebro que sente, é o ser. E este, não é feito somente de ideias, portanto se torna inútil atingir somente a parte intelectual do homem. Nos aproximar do outro requer empatia, capacidade para nos colocar no lugar dele. Numa sociedade onde pensar é perder tempo. Quero falar algo sobre isso de perder tempo. É uma ideia tão absurda. Como assim perder tempo??? Quem sabe qual é o meu tempo aqui pra dizer que estou perdendo tempo?? O tempo sempre vai se movimentar. Justificar as coisas envolvendo o tempo é sinal de não respeito à qualidade, mas preferência por quantidade. Mais, mais e mais. Influenciados por um sistema econômico que prima pela quantidade, estamos nos sujeitando a tal filosofia, e assim, transformando o curso saudável da natureza humana em algo sufocante e nocivo. Assim como fazemos nossas manipulações agressivas à natureza, estamos fazendo conosco. Ela nos responde, com disfunções que causam tragédias naturais. Nós também respondemos, dói a cabeça, dói as costas, o sono não vai bem, etc. Que natureza humana é essa que está sendo gerada e que produz dor: física, psicológica, emocional, e a pior, da alma. Precisamos refletir, mas que nessa reflexão não nos enxerguemos a sós, mas acompanhados, como foi necessário em certo dia para existirmos. Uma boa dose de empatia é o que todos precisamos. Mais realidade e menos picaretagem. Precisamos vencer as influências destrutivas de meios que só pensam isoladamente. Uma televisão imbecil diz que eu vou ser feliz se me casar com alguém ou comprar roupas caríssimas, carros e objetos que não preenchem nenhum vazio. Disfarça o desconforto, mas nunca o conforta de verdade.

5 comentários:

  1. Cara muita coisa importante dita aqui...com o modelo de vida que está em vigor é impossível que um indivíduo seja saudável, reflexivo, criativo e paciente. Que dirá então ser feliz de verdade...eu não sei o que é felicidade, posso tê-la sentido algumas vezes, mas não saberia descrevê-la, nem ao menos tenho elementos suficientes para elaborar um conceito para a felicidade. Digo um conceito mas um conceito de verdade, inteligível, sincero, não essas outras idéias absurdas a respeito da felicidade. Não é algo a ser vendido, comercializado, prostituído, ejaculado pelas tele-telas...não, não e não! Eu desligo a televisão porque ela me adoece. E quanto a ideia de encontrar a felicidade em outra pessoa? Ah....quanto absurdo...eu gostaria de falar varias coisas aqui, mas para não estender muito o comentário vou citar um trecho de algo que um dia li.
    "...Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
    Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
    Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
    Assim, como sou, tenham paciência!
    Vão para o diabo sem mim,
    Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
    Para que havemos de ir juntos?..."

    Raphão..ótimo texto meu caro...abração!

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  2. Você entendeu direitinho o que eu quis dizer. E puta merda, de onde você tirou esse trecho? Me passa aí.
    Abraço.

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  3. Heeheheh....

    "LISBON REVISITED (1923)

    Não: não quero nada.
    Já disse que não quero nada.

    Não me venham com conclusões!
    A única conclusão é morrer.

    Não me tragam estéticas!
    Não me falem em moral!
    Tirem-me daqui a metafisica!
    Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
    Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
    Das ciências, das artes, da civilização moderna!

    Que mal fiz eu aos deuses todos?

    Se têm a verdade, guardem-na!

    Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
    Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
    Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

    Não me macem, por amor de Deus!

    Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
    Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
    Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
    Assim, como sou, tenham paciência!
    Vão para o diabo sem mim,
    Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
    Para que havemos de ir juntos?

    Não me peguem no braço!
    Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
    Já disse que sou sozinho!
    Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

    Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
    Eterna verdade vazia e perfeita!
    Ó macio Tejo ancestral e mudo,
    Pequena verdade onde o céu se reflecte!

    Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
    Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
    Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
    E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

    Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)"

    Acredito que seria interessante você ver e ouvir o Abujamra recitando esse poema...

    http://www.youtube.com/watch?v=YIY8iAk2yXw

    Fodasticamente foda..heeheh...

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  4. Legal! Vi que tem o revisited (1926) também.
    !!

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